14. O médium de mesa e o médium de terreiro
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Introdução ao estudo das obras de Ramatís: Estudo da mediunidade
Não se deve endossar o serviço mediúnico mercenário, nem a magia degradante, a superstição que algema
o progresso mental, a prática primitiva que degrada o espírito ou a negociata censurável dos despachos de
encruzilhadas, com que alguns astuciosos “cavalos” de Umbanda exploram os incautos e os ignorantes.
Mas também não se deve louvar o médium espírita que comercia com os bens da espiritualidade, ou então
vive desmentindo, na vida profana, os mesmos preceitos morais que tenta impor aos frequentadores do
centro espírita. Ambas as doutrinas buscam a mesma Verdade, o serviço caritativo ao próximo e o
movimento no sentido de o homem atual entender e assumir conscientemente a sua responsabilidade
cármica gerada nas existências anteriores. Não importa por qual das correntes mediúnicas o médium venha
a se desenvolver, desde que através dele consiga fazer desaparecer de sua alma as “feridas morais” que
atraem as influências do astral inferior, quando então poderá prescindir de ambos os trabalhos, porque
então já estará curado espiritualmente!
1. DIFERENÇAS ENTRE AS MANIFESTAÇÕES MEDIÚNICAS NOS MÉDIUNS DE
“MESA” E NOS DE “TERREIRO”
O simples desvestimento do corpo carnal não extingue vícios, desejos e velhos hábitos estratificados no
mundo físico, assim como os fenômenos pós-morte de sofrimento, lesões, fadiga, fome e sede não são
frutos do pensamento indisciplinado, mas cruciante realidade, atuando com mais intensidade no espírito
desencarnado.
A morte apenas transfere o espírito para outra moradia, sem lhe violentar o campo de idéias e
emoções cultuadas no mundo material.
O homem culto volta a comunicar-se com a Terra, expondo o seu vasto cabedal de conhecimentos e
experiências incomuns, em linguagem castiça e correta; já o ignorante e o primário comunicam-se num
linguajar deturpado ou regional.
A questão da manifestação mediúnica mais autêntica ou menos autêntica depende precipuamente da
versatilidade ou submissão do médium às características do comunicante; daí o fato dos índios, caboclos e
pretos velhos manifestarem-se nos terreiros com as suas peculiaridades vividas no mundo físico, por
encontrarem ali o campo mediúnico adequado aos seus tipos. Manifestam-se sem qualquer
constrangimento, de conformidade com a sua estatura espiritual e o mecanismo de linguagem que lhes foi
habitual no mundo físico, despreocupados de qualquer advertência severa de que não devem “falar errado”.
Que vale ao preto-velho dispor de um médium letrado e altiloqüente, mas que lhe desfigura a
individualidade ou o tipo peculiar de ancião exaurido na escravidão, pelo artificialismo de uma oratória
brilhante e vocabulário fidalgo? Não seria absurdo exigir que a criança devesse usar de puro vernáculo e
elevada conceituação moral, só porque se encontra entre adultos?
A liberdade de manifestação mediúnica nos terreiros e a docilidade proposital do cavalo aos estímulos
ocultos, permitem aos espíritos comunicantes atuarem-lhe mais fortemente nas regiões dos plexos
nervosos, assumindo o domínio do corpo físico e plastificando suas principais características; então,
índios, pretos velhos e caboclos, vovozinhas e tiazinhas revelam-se nos terreiros com linguajar deturpado,
costumes, cacoetes, risadas, adágios e tradições, à semelhança de verdadeiras cópias de sua realidade no
Espaço! Tais práticas, se conduzidas em trabalhos de mesa, seriam tidas à conta de imprudência,
contrariando as advertências sensatas e lógicas de Allan Kardec, que têm por fim tornar os médiuns
prudentes e vigilantes contra a penetração de espíritos zombeteiros e malfeitores, e poderiam até mesmo
conduzir à obsessão.
Enquanto o Espiritismo restringe os fenômenos mediúnicos em sua manifestação propriamente física, a
Umbanda deve assegurar plena liberdade de ação dos espíritos comunicantes sobre os cavalos, os quais
estão amparados pela defesa dos pretos velhos e caboclos, que escorraçam as entidades mal-
intencionadas. O terreiro significa, na realidade, a “mucamba” do preto e a “choça” do bugre, em que eles
podem dar vazão à sua alegria, manter suas tradições primitivas, crenças religiosas e manifestações de
acordo com suas idiossincrasias. É óbvio que o caipira se sente mais à vontade na casa do amigo pobre, do
que sobre as poltronas de veludo do palácio do rico moderno!